quinta-feira, 15 de junho de 2023

O Vale do Medo


Comecei a ler Sherlock Holmes em 2010, apesar de já conhecer o personagem de adaptações, e fiquei maravilhado com os textos geniais de Arthur Conan Doyle. Infelizmente, por diversos contratempos, demorei mais de uma década para ler O Vale do Medo, mas este é um clássico ainda muito atual, mesmo depois de mais de um século de publicação.

Eu li a versão comentada da editora Zahar, mas não a recomendo, pois a maioria das notas e todos os anexos do livro são extremamente dispensáveis. Eu só não deixei de conferir as notas, pois algumas poucas são relevantes, como uma que revela que o autor já foi boxeador e escreveu o livro Rodney Stone, o qual não encontrei uma tradução para este idioma cujo escrevo. Outro ponto negativo da coleção da Zahar é que as notas sugerem que o escritor não é o Arthur, mas John Watson, e questionam até quem escreveu a parte dois da história para depois atribuí-la ao Conan. Ora, quem mais seria? Incomoda-me muito isso desde 2010, quando li esses textos fanáticos pela primeira vez. Sherlock Holmes e John Watson são personagens históricos, não fictícios para Leslie S. Klinger, autor das notas, e os erros de Doyle, ou são os erros de Watson, ou são explicados por licença poética ou através de malabarismos mentais inacreditáveis. Ao menos, a tradução é excelente, apesar de pecar no uso de estrangeirismos como utilizar "Mr." e "Mrs." em vez de "sr." e "sra."


A história começa com Sherlock recebendo uma mensagem de um agente duplo de Moriarty, este que apareceu anteriormente no conto de 1893 "O problema final". Aqui vale mencionar que, apesar de ter sido publicado na Strand Magazine entre 1914 e 1915, o enredo ocorre em 1895 (a primeira parte). Ou em 1890? As confusas notas não esclarecem. Na segunda parte, é contada a ascensão de McMurdo na Venerável Ordem dos Homens Livres, uma paródia dos Hibernianos, uma irmandade de católicos irlandeses que teve seu capítulo estadunidense fundado em 1836; soube disso através de uma das poucas notas decentes do livro.

Voltando à primeira parte do livro, Sherlock e John são visitados pelo inspetor Alec MacDonald, que traz a notícia do assassinato de John Douglas. Os três vão até o local do homicídio, falam com os moradores e investigam o caso como um todo. Outros policiais ajudam... na verdade, tentam ajudar, mas Holmes é quem descobre tudo.

Aviso: este texto contém revelações sobre o enredo.

Até aí nada de mais, o que me deixou de queixo caído foi a grande primeira reviravolta do livro: o senhor Douglas não foi morto, mas seu perseguidor, Ted Baldwin! Sobre este, é contado mais à frente do livro. Uma breve conclusão do caso é feita, os homens conversam sobre o que fazer a posteriori e a Parte I acaba com Watson pedindo paciência ao leitor e que vai relatar uma história ocorrida vinte anos atrás.

Na Parte II do livro, Os Escroques... digo, Scowrers, o reinado de terror dessa organização maligna foi brilhantemente descrito, com muita ação e injustiça, de deixar os leitores mais honestos indignados. É decepcionante que em metade do livro Sir Arthur nos prive da companhia do maior detetive da literatura e seu bom doutor, mas a segunda metade da obra é tão bem escrita que comparar com a equivalente de Um Estudo em Vermelho é algo que eu nunca poderia fazer. O próprio Sherlock critica negativamente esta parte em O Signo dos Quatro. E com razão. Entretanto, em O Vale do Medo, não há espaço para comentários depreciativos.

Agradou-me que falas anticapitalistas tenham saído da boca de vilões, assim como o ódio à polícia. Um dos vários pontos positivos de O Vale do Medo que não se encontra em Um Estudo em Vermelho. Parece-me que esta segunda parte é uma crítica às ideias socialistas comuns à época. Infelizmente, ainda propagadas hoje em dia. O fato é que os vilões pensam estar em guerra contra uma "classe alta", que seriam os capitalistas, e que toda violência e morte são justificadas pela legítima defesa [sic] dos mais pobres. Na página 215, lê-se que "matavam homens com a mesma insensibilidade com que um açougueiro abate ovelhas." Na página 200, consta que "apesar do terror que os dominava, os cidadãos estavam ganhando coragem para se unir contra os opressores". Isto fez-me lembrar de uma fala do comediante Danilo Gentili sobre determinada militância política. Quem quiser ouvir o que ele disse, recomendo o Achismos Podcast N⁰ 228.

No penúltimo capítulo, revela-se que McMurdo era John Douglas, uma boa reviravolta. Só não gostei tanto quanto da primeira porque uma maldita nota me adiantou o fato. No último capítulo, é-nos contado o triste final em que Douglas é morto, apesar das precauções que tivera. E o livro termina com Holmes jurando acabar com Moriarty. Eu só não entendi se isso foi dito antes ou depois do conto "O problema final". Quem souber, esclareça-me.

As ilustrações do livro são um complemento menos desnecessários que a maioria das notas, pois as gravuras elucidam certas cenas para os leitores mais desprovidos de imaginação, eu incluso.

Das aventuras longas de Sherlock, leia-se romances, O Cão dos Baskerville, foi o que eu mais gostei, mas O Vale do Medo foi o segundo melhor. Não tenho muito o que comentar sobre O Cão além das notas ridículas, como uma em que sugere que Holmes é uma mulher, mas fica a minha recomendação de não só desses dois livros, como dos quatro escritos por Arthur Conan Doyle, um dos maiores escritores do mundo.

E agora, lerei as aventuras curtas de Sherlock, leia-se os contos. Será que mais gratas surpresas me aguardam?