quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Nossos Heróis

HQ de Tum Natakorn Ulit.
"Uma grande ação começa com o coração valente."
"Uma grande ação começa com o coração valente."
Vi essa HQ no Instagram e gostei tanto que resolvi compartilhá-la aqui. Obviamente, tenho algo a comentar sobre ela.

Ultimamente a profissão de policial tem sido denegrida nos meios de comunicação e entre certos influenciadores e celebridades. Como qualquer profissão, a policial conta com bons e maus profissionais. Não vou me referir aos maus aqui, somente aos bons. Porque eu sempre prefiro ver o lado bom da humanidade, espécie tão fascinante que eu tanto amo.

Faz tempo que eu quero escrever algo sobre o finado Caio César Ignácio Cardoso de Melo, Policial Militar que foi assassinado em 2015 por bandidos. Caio tinha apenas 27 anos. A HQ que compartilhei acima me inspirou a fazê-lo.

Caio César, além de PM, foi um grande dublador que marcou a minha infância emprestando a sua voz a vários personagens, dentre eles, Harry Potter, um protagonista fraco que eu não gosto, como já afirmei em Bruxaria à Brasileira, mas que tinha uma voz bastante carismática. Eu, criança, nem imaginava de quem era essa voz tão agradável que, mesmo sem noção na época, eu percebia um talento incomparável. Caio também dublou Cabeçadura, do filme Como Treinar Seu Dragão; Botas, de Dora A Aventureira; Sokka, de Avatar – A Lenda de Aang; Max, de Historinhas de Dragões; Snap, de Mundo Giz; T.K., de Digimon.

Foi através da televisão que Caio me agraciou com seu magnífico trabalho, que se eternizou através de outros meios. Queria poder agradecê-lo por ter sido um tipo de amigo nos meus primeiros anos de vida. Sei que agora eu não posso. Mas fica aqui o registro. Um registro não só de saudade, mas um que também serve de lembrete de que nossos amigos e demais entes queridos um dia vão morrer e que precisamos aproveitar o tempo que nos resta com eles, pois ninguém sabe o dia de amanhã.

Quem me deu a notícia de que Caio havia morrido foi a minha tia. Eu respondi algo como “Não, você deve estar enganada. O dublador de Harry Potter?” Mas quem estava enganado era eu. Sim, ele havia falecido. Depois, foi procurar saber mais da carreira dele como dublador. Encontrei não só os personagens que citei acima, como uma entrevista que ele deu. A voz dele tinha um sotaque carregado, mal a reconheci. Ele mudava a voz para dublar! Os melhores dubladores fazem isso.

Finalizo com um trecho da reportagem do Jornal Nacional:
A delicadeza e a força bruta. O sonho e a realidade. A fantasia e a crueldade. Dois mundos tão distantes e uma paixão sem diferenças. Para os amigos, Caio César Melo era sempre o mesmo, com a voz ou com a farda.

“Nós, como amigos, perdemos assim um garoto realmente sensacional, que tinha aquele ideal realmente de transformar o mundo”, disse Marco Ribeiro, ator e dublador.

Caio Cesar deu voz a vários personagens durante a carreira de dublador. E participou de alguns filmes e animações que fizeram história. O menino Giosué, de “A Vida é Bela”, e o bruxinho mais famoso do mundo. Harry Potter em português é Caio Cesar falando.

A autora da saga, a inglesa J.K. Rowling, escreveu numa rede social que está desesperadamente triste com a morte de Caio.

Ele escolheu ser dublador muito cedo. “A diretora na época, Marlene, botou três caixotinhos para ele alcançar a altura do microfone e conseguir ver a televisão. Ele mal sabia ler, ele era muito pequenininho, mirradinho, e ele foi desenvolvendo um talento. Ele tinha uma doçura, uma sensibilidade”, contou Flávia Fontenele, dubladora e diretora de dublagem.

Ele escolheu ser policial muito cedo. “Ele conciliava os dois trabalhos porque sempre foi o sonho dele de criança ser policial”, disse Manolo Rey, ator e diretor.

Caio estava na PM há apenas quatro anos. Era da Unidade de Polícia Pacificadora. E gostava de ter as crianças por perto.

“Ele comentou o trabalho dele lá com as crianças. Estávamos sentados num restaurante e ele falava ‘nossa, dá vontade de levar algumas crianças comigo’. Ele fazia essa parte do trabalho social de trazer a criança para o lado do bem”, contou Manolo Rey.

Caio Cesar morreu na quarta-feira (30) na comunidade onde trabalhava, no Complexo do Alemão. Levou três tiros num confronto com bandidos num dos becos da comunidade. Um vídeo mostra a tentativa de salvá-lo em meio ao tiroteio.

Na quinta-feira (1), teve mais tiros. A tropa de choque entrou na comunidade em busca dos criminosos. No enterro, no fim da tarde, a família contou que pedia todos os dias para Caio sair da polícia.

“Dizia para ele tentar sair da UPP, ele dizia que não, que ele precisava proteger. Morreu fazendo o que ele gostava. Vai deixar muitas saudades”, disse Vagner Santos, primo.

“Ele dizia para mim que estava no sangue. Ele saía todo dia de casa dizendo que o que ele fazia era por amor”, disse Kelly Cristina Barbosa dos Santos, prima.
Reprodução: Veja São Paulo
Dedico este texto não só ao Caio, mas a todos os bons profissionais desta carreira que tanto nos ajudam, lidando com o pior da humanidade. Nossos heróis da vida real. E não é porque eu amo a minha espécie que eu ignoro seus defeitos. Eu só prefiro ressaltar as qualidades. Até porque já tem gente demais ressaltando os defeitos. Prefiro me unir aos poucos que ressaltam as qualidades.