sábado, 13 de julho de 2024

Meu Pai

Hoje é o dia em que meu pai completaria 64 anos, mas não há nada para comemorar hoje, pois ele morreu ontem. No enterro, havia uma multidão; meu pai era um homem muito querido, muito amado. Se fosse o meu velório, não teria um sexto daquela gente. Se eu pudesse, dava a minha vida a ele, que perdeu a sua tão cedo. Uma pessoa disse-me algo como “Teu pai era uma pessoa maravilhosa.” Nem precisava dizer, eu sempre soube. Ver meu pai deitado naquele caixão fez-me sentir um vazio dentro de mim, como uma parte de mim que se foi. Fico triste e com raiva por meu pai ter me deixado, não dele, óbvio. Não são sentimentos direcionados a alguém específico, mas à injustiça da vida. Bem, quem disse que a vida era justa? Os pais morrem antes dos filhos, eu já sabia disso; é o curso natural. Mas não precisava ser agora.

Meu pai ajudou muita gente, não só por ser advogado, mas por ser um bom homem. Claro, não deixava de ter defeitos, mas evitá-los-ei aqui. Meu pai não era um santo, mas adorava um são: Francisco de Assis. Tinha camisetas, figuras e até no celular: sua foto de perfil do zap era uma estátua desse são. Mas não era só isso que ele gostava, meu pai também adorava livros e gibis; um gosto que eu herdei dele. Alguns dos livros que compartilhávamos o apreço eram os de Agatha Christie. Alguns dos gibis que gostávamos eram os de Calvin e Haroldo. Outro objeto de afeto nosso eram os filmes; com frequência, víamos juntos obras estreladas por Dustin Hoffman, um dos seus atores favoritos. Havia uns longas-metragens que víamos juntos e ele não gostava; outros, que eu não gostava. Nem sempre nossos gostos coincidiam.

Outras coisas que meu pai gostava eram roupas e sapatos, ele tinha muito mais que minha mãe. Assim como livros e gibis. Foi meu pai que leu para mim O Hobbit quando eu era criança e, mais recentemente, viu comigo a trilogia de filmes baseada nesse livro. Ele disse para mim, enquanto aparecia uma bela paisagem verde na tela, que acreditava que eu poderia criar um universo tão rico como o que Tolkien criou, mas que não estaria aqui para ver. Duvido muito que eu consiga criar algo tão bom assim, mas, realmente, se acontecer, ele não estará aqui. Eu escrevi, sim, um livro, e pedi a meu pai que desenhasse a capa dele; infelizmente, ele não conseguiu concluir a tarefa. Meu pai desenhava lindamente, era um homem de muitos talentos.

Uma coisa que meu pai não gostava era a tecnologia. Bem, não que ele a considerasse ruim, mas meu pai tinha muita dificuldade em utilizá-la. Televisões mais recentes, celulares e computadores eram coisas que muito o irritavam por não saber mexer direito. Apesar disso, nunca desistiu de manuseá-las. Pior ainda eram histórias de terror, isso meu pai detestava de verdade, não queria nem ouvir falar. Contudo, ele sempre amou histórias sobre as Grandes Guerras, em especial a Segunda. A História, com H maiúsculo, em geral, fascinava-o.

Não posso esquecer de mencionar do que meu pai mais gostava, do que tinha mais orgulho: seus filhos. No meu caso, eu não encontrarei um amigo melhor que ele, um admirador de meus textos maior que ele. Nestes últimos meses em que não publiquei nada no Aniliquajo, meu pai perguntou-me se eu tinha parado de escrever. Eu respondi que não, só não encontrava as palavras para terminar meus textos. Bem, agora eu encontrei; pelo menos, para este texto.

Eu sou agnóstico ateísta, então duvido que exista vida após a morte. Todavia, sei que meu pai acreditava que sim. E se ele estava certo, para respeitá-lo, que possa ler estas minhas palavras sobre a melhor figura masculina que já conheci. Agradeço por tudo, meu pai. Descanse em paz, nunca te esquecerei, sempre amar-te-ei.