quinta-feira, 14 de março de 2024

Dias Perfeitos

Este é um Simples Comentário, para saber mais, leia a introdução.

Dias Perfeitos

Perfect Days

2023

Japão e Alemanha

Hirayama concilia seu trabalho como zelador dos banheiros públicos de Tóquio com sua paixão por música, literatura e fotografia. Sua rotina é lentamente interrompida por encontros inesperados que o forçam a se reconectar com seu passado.

Quatro Estrelas e Meia

Maravilhoso, mas não perfeito.

💕

Eu não canso de elogiar as produções japonesas, e esta foi uma das melhores que eu já vi, sem contar as animações, claro. O diretor e coescritor é alemão, mas isso não tira o brilho japonês do filme, com seus atores e locações. Já vi séries animadas japonesas que lembram Dias Perfeitos, mas fazia anos que eu não via um filme com atores reais como este, de qualquer país. O longa-metragem é, mais do que tudo, contemplativo. Ele mostra o cotidiano de Hirayama, um simples limpador de banheiros públicos que sente-se feliz com sua rotina e eu senti-me feliz em poder vê-la. Bem, não em ver tudo; há cenas que mostram ele nu tomando banho, mas, pelo menos, não é mostrada nenhuma genitália. Admito que até isso é um ponto positivo da obra, pois mostra o costume japonês de ir para uma casa de banho comunitária em vez de ter um espaço em casa para sua limpeza corporal. Para mim, o maior demérito do filme é a trilha sonora; sempre que o protagonista anda de carro, ele bota uma canção, na maioria de língua inglesa, para tocar. Só houve duas músicas em japonês cantadas (uma delas, pela dona de um bar). Essa “internacionalização” é o único problema da cultura de um país com tantas tradições belíssimas.

Aviso: este texto contém revelações sobre o enredo.

Uma grata surpresa que tive foi a exibição da tela no cinema ser 4x3, como em filmes antigos. Isso, junto à ausência de computadores e aparelhos mais modernos por parte do Hirayama (o celular dele é de dobrar com botões) é só uma dos maravilhosos contrastes japoneses. Infelizmente, no Brasil, não temos esse privilégio da abundância analógica que países ricos desfrutam. Mas não ficarei me lamentando quando posso apreciar pequenos vislumbres da celebração das alegrias e minúcias da cultura japonesa numa confortável sala de cinema.

A história segue um homem de meia-idade que vive uma vida modesta passando seus dias de trabalho dedicado a limpar os altamente tecnológicos banheiros de Tóquio; foi até uma surpresa para mim eles terem papel higiênico, já que há duchas higiênicas acopladas nas privadas. Ele tem um colega de trabalho tagarela que não se importa com o serviço de limpeza e está apaixonado por uma jovem chamada Aya. Interessante notar que, depois de ela beijar o protagonista, ele compra o livro Árvore da famosa Aya Koda; não sei se há alguma relação maior, mas gostei. Aliás, nesse começo de filme, eu cheguei a pensar que o Hirayama fosse mudo, pois ele não fala até sua sobrinha aparecer. A partir daí, ele interage mais com os personagens. Inclusive, uma das cenas mais marcantes é com ela, a Niko, em uma conversa sobre a irmã dele: “O mundo é feito de vários mundos; alguns são conectados, outros não.” Genial! Outra citação memorável dele é “Da próxima vez é da próxima vez. Agora é agora.” Também me agradou a Niko dar nome à torre que, desde o começo da película, é plano de fundo: Skytree. Infelizmente, a sobrinha fugiu de casa e a mãe dela surge para levá-la de volta para casa. É uma despedida triste e comovente.

A rotina de Hirayama é metódica: ele trabalha, come, toma banho, ouve fitas cassetes, fotografa uma árvore amiga e lê. Nos dias de folga, revela o filme de sua câmera, visita um santuário, escolhe um livro num sebo e vai a um bar; este que a Mama, a dona, chama-o de intelectual por causa do livro que ele está lendo. Logo depois chega um homem feliz por ter separado-se da mulher, um contraste com o ex-marido da dona que, dias depois, reencontra-se com sua ex para se desculpar e vê-la uma última vez, já que está com câncer. O protagonista encontra-se com ele e brinca de pega-pega de sombras para distraí-lo da doença. É muito fofo.

Por último, destaco que, apesar de as músicas não me apetecerem, todas elas foram legendadas, o que sinto falta na maioria dos filmes estrangeiros. Por outro lado, em duas cenas do filme, a legenda sumiu; fazia tempo que eu não via isso. Além disso, foi bom ver nosso “herói” irritar-se com seu chefe por ter sido obrigado a trabalhar dobrado; no dia seguinte, já chamam uma mulher para substituir o ex-colega limpador que se demitiu, muito eficiente. Também amei a forma como os sonhos são retratados: em preto e branco e em forma de quebra-cabeça. Essa é a vida feliz e harmoniosa de Hirayama.

“Essa é uma reflexão sutil, brilhante e, em última análise, afirmativa da vida para encontrar a beleza no mundo cotidiano que nos rodeia.”, uma síntese perfeita do texto de divulgação de Dias Perfeitos.